O Fogo e o Gelo

Cap. XIII:

Era hora do almoço e o céu se via encarneirado. No grande colégio de ensino básico, da Grande Zona Sul, Gaio procurava com persistência por Marina entre jovens na torrente de estudantes que saía pelo amplo corredor de pedra e em forma de arco e pelo qual se chegava até a sala dela. Obrigado a encarar diretamente os rostos da maioria das alunas, de quando em vez, Gaio se divertia com alguns risos e olhares interessados que causava em algumas delas. A experiência maravilhosa com Maia o libertara muito da opressão da timidez. Mas aqui tudo não passava de um fugaz divertimento consigo mesmo, de insuflar um pouco sua vaidade e autoestima, pois não queria nem pensar na hipótese de cometer uma infidelidade contra a amada, ele pensava.

– Com dificuldades para encontrar uma loira conhecida ou está só paquerando mesmo? – uma jovem, de longos cabelos negros, abordara Gaio pelas costas. Só por meio de um exame mais atento reconheceu ele, surpreso, de quem se tratava ao se virar.

– Marina? Você pintou seus cabelos? – Gaio recebeu a novidade com uma apreensão que logo buscou dissimular.

– Pintei. O que você achou? – Marina chacoalhou a cabeça e, depois, cheia de charme intencional, jogou os cabelos para trás com os dedos abertos da mão. Gaio sentiu que os cabelos dela exalavam um perfume gostoso.

– Continua bonita como sempre. Agora de visual novo – disse Gaio e, em seguida, se perguntou se não teria exaltado as qualidades da amiga além do permitido. – Obrigada, Gaio – Marina começou a fitar Gaio com aqueles olhos longos e cintilantes que ele tanto temia quanto evitava. – Desculpe-me pela grosseria, na biblioteca.

– Não foi nada – Gaio escarafunchou, aflito, os seus pensamentos a procura de algo a dizer com o intuito de mudar de assunto, e se lembrou do que o trouxera até a amiga. Apesar da natureza complicada do motivo no atual contexto delicado de seu relacionamento com ela, se sentia obrigado a não proceder com reservas. Antes, confiava que poderia até haver uma oportunidade de esclarecer (um esclarecimento escabroso, não tinha dúvidas) de uma vez por todas a natureza de seus sentimentos que nutria por ela; embora soubesse, no fundo, que o que estava em jogo eram os sentimentos dela concernentes a ele.

“Eu não me esqueci de você, hoje – Gaio se aproximou e abraçou a amiga. – Parabéns! Mais ainda por agora já ser maior de idade.

– Obrigada, de novo!

Estranhamente, Gaio notou, Marina não exultou tanto quanto esperava. Ele levou a mão ao bolso da calça e tirou uma caixinha de quatro centímetros quadrados por face, embrulhada.

– Escolhi pra você – Gaio entregou o pequenino presente para a amiga.

– Que lindo! – disse Marina ao desembrulhar e abrir a caixinha, um estojo contendo um anel dourado incrustado com uma reluzente pérola. – Até que, enfim, parou de me dar livros. Mas isto deve ter custado caro à sua cota. Eu não merecia tanto sacrifício seu.

– Merece muito mais – retrucou Gaio. – O que importa é que se sinta muito especial para mim. Marina ficou a observar longamente o presente, desenvolvendo uma expressão entristecida.

– Que foi?

– Onde esteve ontem, o dia todo? Também não o vi hoje, indo para a faculdade.

Pego de surpresa, Gaio hesitou entre falar a verdade e, decerto, magoar a amiga, estragando-lhe totalmente o dia especial, e mentir algo convincente que não a desconfiasse; o problema residia no fato de que a última opção exigia uma invenção bem feita e coerente, coisa que não tinha pronta na cabeça e tampouco condições de criá-la no momento.

– Já saquei. Esteve com ela, não foi?

Gaio fez que sim por meio de um acanhado meneio de cabeça, não querendo nem imaginar as consequências do ato.

– Meus parabéns também, então. Ela é bastante bonita e parece igualmente inteligente – disse Marina com uma facilmente identificável inflexão agressiva na voz. – Como sempre fizemos em nossos aniversários anteriores – Gaio pretendia mudar rápido de assunto –, gostaria de passar hoje o dia junto de você.

A alusão a momentos inesquecíveis passados com o amigo que amava doentiamente e a manifestação de sua vontade de revivê-los fizeram Marina sentir repentinamente a alma inundada por uma tristeza que podia afogá-la por dentro em pouco tempo.

– Infelizmente, hoje eu não poderei. Marquei de estudar à tarde inteira na casa de amigos para a prova de amanhã. Aliás, estou ficando atrasada. Daqui, vou direto para lá. Até logo, Gaio, e obrigada pelo anel – mentiu Marina e saiu apressada, terrivelmente apressada. Queria desaparecer da vista de Gaio o mais rápido que pudesse, pois não aguentava mais segurar a tristeza lhe entalada na garganta e esperar para encontrar um canto imperturbável para vertê-la em lágrimas que, por causa da pressão, certamente jorraria aos borbotões.

Imaginando de maneira correta que a amiga, na verdade, saíra era para chorar por ele, Gaio conservou-se estarrecidamente estacado, sem reação, no corredor àquela hora já esvaziado de trânsito de alunos, com um ou outro cruzando com ele e observando-lhe curioso a imobilidade aparentemente sem motivo.

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