O Homem Elementar e o Homem Supremus

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Cap. XVI:

Um vento incessante e agourento causava um frêmito ininterrupto nas folhas daqueles renques intermináveis de gomeiras azuis. De troncos elevados e tortuosos, sob o açoite implacável das rajadas, as árvores tinham suas folhas derrubadas aos montes. No chão, elas formavam um tapete espesso que a todo o momento era revolvido pelas lufadas que conseguiam chegar até o solo.

– Estou com um mau pressentimento, Gaio – disse Marina ao passo que olhava assustada para o alto das copas vergadas das gomeiras. Entre as ramagens sacolejadas quase não se podia enxergar o azul do céu diurno. – Confesso que estou arrependida de tê-lo trazido aqui. – Fique tranquila. Nós vamos voltar logo. Além do mais, minha curiosidade cresce à medida que a gente se aproxima do lugar que me descreveu.

– Não vá se arriscar, por favor. Eles devem ser muito perigosos – disse Marina e pegou na mão de Gaio.

Orientados pelo GPS de seus iPhones, eles caminhavam, com exceção das folhas que arrastavam sob os pés, sem dificuldades entre as sucessivas fileiras de troncos da floresta de gomeiras. Em média, cada árvore conservava uma distância de três metros da seguinte.

Marina guiava Gaio, mas, de repente, este saiu ligeiramente do traçado previsto, puxando-a com ele. Perpassando por mais algumas árvores, uma grande clareira para eles descortinou-se.

– A Senhora Dâmara! – disse Gaio fascinado, apontando para uma especialmente robusta árvore de copa alta e larga, à primeira vista com pouco vigor em suas folhas já rareadas, erguida no centro da clareira, e da qual eles se acercavam pelo mato rasteiro.

– A Senhora o quê?

– A Senhora Dâmara. Nunca ouviu falar dela? Alguns dizem que é a árvore mais velha de todas as duas ilhas de Aerópolis. Sua idade, de aproximadamente 7 mil anos, se confunde com a da fundação de nossa cidade-estado. E diz uma lenda que, quando ela morrer, nossa sociedade se desfará para sempre.

– Já ouvi falar, sim. Ficamos, eu e minha classe, de conhecê-la quando voltarmos aqui para prosseguirmos com nossas pesquisas com ecossistemas de eucaliptos.

– Seu tronco tem 7 metros de diâmetro e ela atinge 45 metros de altura – disse Gaio com um fascínio e uma expectativa iniciais que foram se desvanecendo à proporção que se aproximava da árvore, e os detalhes dela ganhavam nitidez.

Acessada por apenas três degraus em qualquer um dos quatro lados, a dâmara arvorava sobre uma grande plataforma onde existia uma placa informativa referente a ela. – Veja, Gaio. Parece que a Senhora Dâmara está morrendo! – disse Marina, voltando a sentir medo outra vez.

– É mesmo... Assim como a nossa sociedade, talvez ela já tenha resistido demais... – disse Gaio melancólico à sombra igualmente lúgubre da imensa copa quase sem vida, com suas cores e seu viço drenados pela morbidez agonizante. – Alguns dizem que nossa sociedade é utópica em demasia para se sustentar para sempre, que seus edifícios se elevam simbolicamente muito acima do suportável. – Não seja tão pessimista, Gaio. Pense em quantas sementes germinadas que ela deve ter gerado e dispersado – disse Marina e consultou as horas no relógio de seu iPhone. Depois, deduziu as condições meteorológicas imediatas no teto celeste: havia, até onde o alto horizonte da floresta de gomeiras permitia ver, algumas formações incipientes de nuvens de chuva despontando aos poucos. – Está ficando tarde, Gaio.

– Vamos, então – disse Gaio entristecido.

Retomando o assombrado caminho original, Gaio e Marina não demoraram a chegar aonde pretendiam.

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