Embate Elementar

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Parte 2: Cap. III:

Conforme orientara Chang, e a despeito do considerável risco que essa decisão embutia, as forças repressoras de Aerópolis pararam de agir contra os amotinados, mas permaneceram por perto, acompanhando-os desfalecer em seu cansaço e eventualmente contando com essa distração para resgatar as vítimas da grande convulsão. Anarco ficou a avaliar curioso essa mudança de estratégia das autoridades policiais. Quem estaria por trás disso? O eunuco discípulo de Tupã? Sim, não havia de ser outro. E, convenhamos, sábia decisão esse posicionamento passivo diante de sucessivas tentativas retumbantemente fracassadas de restabelecer a vetusta ordem. Só que, nesse caso, o Estado também se arriscava a passar para toda a sociedade a inadmissível imagem de submisso diante dos poderosos anárquicos. Era óbvio que o eunuco ponderara isso. Então, por que pagar esse preço? O que pretendia para enfrentá-lo, Anarco? Ah, não podia fazer muito; na verdade, praticamente nada! Era tarde demais! Encontravam-se todos encurralados! O máximo que podiam fazer era implorar-lhe para que os ouvisse.

Pois Anarco, que pareceu, embora se negasse a reconhecer, ter esperado que o chamassem oficialmente para apresentar suas exigências a uma negociação, não foi incomodado por ninguém. Decorridas horas e horas, a poderosa turba que comandava foi prosaicamente vencida pelo seu próprio e já então previsto cansaço. Visto que os policiais de Aerópolis permitiriam, em certo momento os amotinados acabaram se dispersando em direção às suas casas. Anarco pensou em mantê-los coesos, contudo, preferiu não se expor.

À tarde desse já outro dia, no alto de uma magnífica cachoeira natural e, na ocasião, erma, Gaio, sentado em posição de lótus em cima de uma pedra perigosamente à beira do precipício da água em cachos, meditava de olhos abertos e perdidos no horizonte que se estendia generosamente à frente, por cima das árvores da floresta verdejante.

– Vão nos invadir a qualquer momento... – disse para si mesmo Gaio com a expressão trágica. – E não há nada a fazer... Não posso fechar os atalhos... Atalhos que levam a Joia. – Gaio agora ria friamente. – Não há motivo maior para os grandes garimpeiros se atracarem da maneira mais carniceira por Esta Pedra tão valiosa do espaço. Talvez... seja melhor que isso aconteça. Chegou a nossa vez... e nós merecemos. Ou não? Para humilhação de muitos, parece que não atingimos a categoria cósmica para tal. Não chegamos a nos tornar os invejáveis grandes garimpeiros...

O céu atrás de Gaio, mesmo sendo o lado do Poente, enrubesceu-se subitamente com uma intensidade tal que parecia ter se inflamado com fogo. De fato, o ambiente começou a esquentar assustadoramente rápido. Gaio estranhou quando com a mão notou a testa toda empapada de suor. Mas isso, aparentemente, ainda não tinha sido nada; pois o calor continuou aumentando como num legítimo forno: para não assarem, pássaros debandaram assustados em direção ao abismo diante de Gaio. Para não assarem literalmente, porque materiais mais facilmente inflamáveis, como folhas secas e gravetos dispersos pelo chão principiaram a carbonizar! Do riacho ao lado que se precipitava, vapores subiram como se a água corrente estivesse fervendo, e Gaio de repente achou que tinham acendido uma fogueira imediatamente atrás de suas costas, visto que suas vestes também carbonizavam.

Gaio levantou-se num salto, sufocado pelo sumiço do oxigênio, o suor do rosto e de todo o corpo já em bicas, ardendo-lhe com o sal lhe exsudado da pele os olhos com que viu, impressionado, o céu atrás incendiado como o brilho de uma centelha.

Os materiais secos que carbonizavam no chão já entravam em combustão. Das vestes de Gaio, igualmente adquirindo de maneira rápida uma tonalidade apavorantemente tisnada, emanavam fumaças. Foi quando Gaio correu e saltou para dentro do riacho, com a intenção sem muito tempo para ser pensada de ser pela água fortemente corrente arremessado precipício abaixo.

Ao passo que Gaio era projetado com os volumosos cachos d’água, que, por sorte, passavam de mornos, porém não ferviam, o céu inflamado descia violento numa basta coluna de fogo sobre o riacho atrás. O curso d’água instantaneamente virou uma densa e turbulenta massa de vapor que foi impetuosamente de encontro com Gaio ainda enquanto quedava. Para que também não evaporasse como os borbotões de água, milésimos de segundo antes, ao tocar o poço abaixo, Gaio envolveu-se com um forte campo de força elétrica que rechaçou, sob um estrondo pelo monstruoso choque térmico com a água abaixo, a coluna ardente.

A coluna de fogo que desceu em cima de Gaio encerrava tanta energia que o riacho tinha momentaneamente desaparecido, sob a forma de um crasso vapor. Ao repelir aquele devastador ataque, Gaio deixou o leito do poço ao sopé da cachoeira caminhando com a roupa em farrapos por entre o que parecia ser uma verdadeira sauna; a nuvem de vapor com calor infernal a inundar o ambiente impedia que se enxergasse a poucos metros. Por isso, se existia um inimigo por trás daquilo tudo, Gaio ainda não era capaz de vê-lo.

Ainda um pouco desnorteado, do chão, quando as nuvens de vapor se dissiparam um pouco, Gaio divisou no alto da cachoeira que já se recompunha de água líquida o vulto de uma pessoa não muito distante do que parecia ser uma labareda de fogo ao lado.


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