Bolhas Ardentes

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Cap. VII:

De um lado da paisagem, só se via o verde exuberante da cerrada vegetação a envolver a extensa elevação conhecida como o Monte Egmont. Na realidade um vulcão ativo que ora dormia, em torno de seu topo se encontrava permanentemente coberto por uma camada branca, de neve, que o tornava ainda mais espetacular aos olhos de qualquer privilegiado que pudesse vê-lo. Ali próximo havia um centro dedicado ao estudo e ao uso das propriedades medicinais das águas termais que brotavam por todos os lados desse vulcão. A gigantesca cidade de Aerópolis, agora arrasada, chegava até ali, mas na forma de construções habitacionais de no máximo três andares. Desse modo, tais edifícios não atrapalhavam a contemplação do magnífico lugar.

Além do centro de águas vulcânicas, existia ali também como extensão deste um posto avançado de pronto-socorro para atendimento geral e também orientado para o aproveitamento em regeneração dérmica com os achados hidrotermais do primeiro instituto. Essa última instalação ocupava um esguio mas muito elevado edifício dividido em duas partes, uma fixa, embaixo, e outra giratória, em cima, que acompanhava o movimento do Sol; na parte de cima desse prédio havia um lado repleto de cadeiras de sol, que era voltado para a obtenção da radiação solar sobre o corpo dos banhistas como complemento indispensável nos tratamentos da pele.

O lugar não poderia ser mais exuberante e agradável. Entretanto, Polaris trabalhava duro para logo deixá-lo. Depois de muito esperar, ele, juntamente de seu irmão, Karai, conseguiu encontrar uma embarcação de passeio, de médio porte, para transportar um precioso carregamento de matrizes de regeneração dérmica e outros medicamentos essenciais como antibióticos, além de suprimentos de sangue em pó, até o centro de Aerópolis, mais exatamente o Hospital Central da cidade. Embora aquela região se mantivesse relativamente intacta mesmo após a tempestade de raios fulminantes que atingira implacavelmente Aerópolis, à medida que a partir dali se adentrava a cidade, sobretudo suas camadas elevadas, começava a se perder todas as conexões viárias, rompidas pelas navalhas de fogo sentadas do céu. Por isso, o único caminho disponível seria pela água, do Mar da Tasmânia, num percurso que margeava ao longo de toda a enseada sul de Taranaki. O projeto de Chang Ji para estabelecer conexões entre pontos distintos da cidade, por meio do rastreamento de caminhos subterrâneos através dos trechos preservados de túneis de provisionamento de Aerópolis, parece que se mostrou inviável num primeiro momento, principalmente devido à falta de tempo de que todos dispunham, já que tudo que faziam para o hospital era com o máximo de emergência. Portanto, a travessia seria pela superfície, a despeito dos altíssimos riscos que ela envolvia.

Além da embarcação, que carregava uns quarenta metros cúbicos desse material médico tão precioso acondicionado em sua maior parte em caixas térmicas, Polaris também contava com um grupo de trinta pessoas para escoltá-la ao longo de sua viagem. A maioria dessas pessoas eram jovens amigos ou conhecidos de Karai, nos quais, aliás, Polaris pouco confiava. Mas ele não dispunha de opção, já que a travessia que iriam empreender seria extremamente perigosa, sujeita a ataques de grupos extremistas e desesperados, conhecedores e praticantes da Técnica Elementar. Dentre essas trintas pessoas convocadas a proteger a embarcação, doze se encontravam especialmente próximas de Karai, pois, composta de homens e mulheres, com apuradas habilidades no domínio do fogo, formavam uma espécie de pelotão de elite que, naquele momento, tinha ocupado todos os espaços em torno do barco.

Tendo então já partido, a embarcação prosseguia em velocidade máxima. Pouco mais de 250 quilômetros separavam o ponto de partida do de destino. A quase trinta quilômetros por hora, ela poderia levar menos de nove horas para chegar ao fim da travessia. No entanto, vários obstáculos atrasavam, e muito, essa viagem. Porque, ao passo que penetrava através dos canais os espaços entre as elevações habitacionais fincadas dentro da água, a embarcação precisava contornar um emaranhado de caminhos obstruídos por pontes, passagens elevadas de todos os tipos e gigantescos prédios inteiros que haviam caídos no mar sob a região central da cidade por causa dos disparos celestes e que não tinham afundado completamente. Para agravar ainda mais a lentidão provocada por esses obstáculos, Polaris decidira por parar em locais pelo menos parcialmente protegidos, ou seja, fechados com as paredes das edificações no caminho, tão logo escurecia. Assim, ele acreditava ficar muito menos vulnerável do que viajar à noite, diante de todos aqueles inúmeros níveis da cidade ao lado e acima quase que completamente às escuras.

Dessa forma, a travessia, embora relativamente próxima do fim, já durava dois dias. Por duas noites, Polaris, seu irmão, Karai, e o restante do pessoal haviam passado parados em determinados pontos do caminho por eles feito até ali. Pois alguns minutos de viagem após sua última estadia noturna, logo quando surgiam os primeiros raios solares através dos vãos quase infinitos entre as colossais construções de cimento em volta, todos na embarcação se achavam especialmente alertas, vários na posse de binóculos por meio dos quais estendiam seus atentos olhares até os desvãos mais longínquos que podiam alcançar ao lado, atrás, à frente e acima à procura de movimentos suspeitos. Foi quando vários deles, praticamente ao mesmo tempo, notaram o que parecia ser uma correria incessante de pessoas, ainda não identificadas, entre as paredes e outros inúmeros elementos arquitetônicos contra a linha de visão do barco das construções à volta, como se tivessem realizando em conjunto um movimento de cautelosa aproximação.

– Karai!, parece que estamos sendo cercados! – disse com urgência um dos que empunhavam os binóculos.

Karai, com seu costumeiro rabo-de-cavalo e com uma expressão de quem tinha acabado de acordar, se excitou, arregalando os olhos de satisfação.

– Ocupem os seus postos de artilharia! – bradou Karai ao deixar de pressa a superestrutura e alcançar o convés.

Polaris, postado desde antes em cima da proa e tomado de preocupação, olhou para trás, com um cenho ainda mais fechado de seriedade, para tentar descobrir o que se passava entre a escolta. Ele viu sem entender direito o grupo de elite de Karai correr e ocupar vários anteparos previamente espalhados em torno do barco. Por cima dos anteparos, cada um deles criou uma esfera de fogo sobre uma espécie de pira magnética projetada de suas mentes. E através de espelhos também magnéticos, espremeram a luz emanada das esferas, liberando um feixe que se estendeu adiante tal e qual mira a laser. E antes que Polaris proferisse qualquer coisa, o pessoal de Karai, quase todos juntos, começou a atirar sucessivas cópias de suas esferas de fogo na direção dos prédios, praças e pontes.

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