Um Passeio Nefelibata
Cap. XII:
Deitados nus em uma cama de casal, um lençol acetinado, alvo e leve a cobrir-lhes até logo abaixo dos ombros, deixando-lhes os membros superiores de fora e descobertos, Gaio e Maia estavam voltados um para o outro; ela, que dormia delicada e serena feito um anjo, meio em cima do peito dele, que, acordado, a contemplava e a abraçava, acariciando-lhe o braço direito com a mão. Ocupavam um suntuoso quarto decorado com motivos carnais de um elevado motel com uma vista espetacular para o congelado monte Aoraki e de cujas janelas entravam os raios fúlgidos de um Sol que já subia alto.
Suavemente, Maia descerrou os olhos e divisou, deliciada, Gaio a contemplá-la. Gaio conservou-se através dos olhos cristalinos da amada penetrando-lhe as profundezas da alma. Aparentava ele estranheza com a realidade. Beijaram-se e sussurraram bom-dia um para o outro.
– Flor... se não desgostar, doravante passarei a assim chamá-la... – Maia aprovou com um de seus irresistíveis sorrisos –, minha flor de maio, que noite, não!?
– Maravilhosa! – disse Maia com deleite. – Para se ter uma ideia, nossos gemidos foram tantos e tão intensos que ecoaram em meus sonhos!
– Que delícia que tenha eu lhe dado então tamanho prazer. Porque você é o gozo em pessoa!
O casal voltou a se beijar com ímpeto, aspirando profundamente o cheiro de um pelo outro. Seus lábios roçavam na pele macia da boca, rosto e pescoço de ambos com um impulso tal que logo os levaria a transar de novo. Mas, em um acordo mutuamente tácito, pararam ao sofrearem seus ímpetos carnais a fim de que descansassem com o corpo de um apenas repousado em cima no do outro. Pois bastaria que um dos jovens tomasse apenas certa sensibilidade do corpo nu do parceiro em contato por inteiro com o seu também despido para que ele não demorasse a gozar.
Então, Gaio caiu em reflexão.
– Flor, sempre tive tanto medo de nunca chegar a encontrar uma pessoa que nem você. Fazer amor com alguém tão especial era tudo o que me faltava. Agora, graças a você, um inefável presente do acaso, estou completo, minha vida valeu a pena. Neste Universo, me dei bem no amor. Essa intimidade, sexual, entre nós, me elevou ao maior dos píncaros dos prazeres. Agora já posso dele descer plenamente satisfeito.
– Gaio, tudo entre nós apenas começou, mas, desse jeito, para você parece que já acabou!? – Flor, de certa forma, sim – Maia tinha uma expressão trágica e estava pronta a protestar com veemência. – E não há nada de ruim nisso, não – se explicava Gaio. – Apenas quero que me compreenda: estou completamente me realizado com você. Sabe, nunca fui bom em relacionamentos, porque, acho, acabei dedicando mais tempo com algumas obsessões que talvez possam soar estranhas para os outros. Por isso, acabei ficando um pouco antissocial, o que pode me fazer parecer esquisito a alguns, a você...
– Gaio, não sei aonde quer chegar. Só sei que é melhor que não chegue a lugar algum. Não estou gostando desse papo de realização completa. A vida pode ser muito longa, para mim, para você, para nós, juntos. E não precisa me prevenir me dizendo como você realmente é, quais são as suas manias. Isso não me importa. Deixe apenas que eu descubra o que tem de melhor. Diferente ou não, gosto de você pelo jeito que você é por causa das impressões que até agora me passou e que não poderiam ser melhores. – Desculpe-me – disse Gaio, recebendo em seguida um sorriso e um longo beijo em resposta. – Você tem razão – Gaio ruminava. – Não sou o que penso ser. Parece impossível, mas tenho de tentar evitar o autoengano. Se me imaginam de um jeito, de outro eu procurarei ser. Ideias nossas de nós mesmos, também formadas ou reforçadas dos outros, nos aprisionam no ser. O que nos interessa é surpreendermos, às vezes desde que nos deem uma chance, como a que você me deu. – Isso, Gaio! – Maia se maravilhava com o namorado. – Exatamente isso. Você não é outra coisa que não surpreendente. Como agora comigo, nunca deixe de surpreender, sempre positivamente, as pessoas, mais ainda enquanto elas menos esperam.
– E você também.
Gaio começou agora a contemplar a paisagem além das janelas panorâmicas. Estava distante e devaneante, Maia o percebeu ao se espreguiçar graciosa, subindo em cima dele para, além de fitá-lo nos olhos fugidios, apalpá-lo o corpo nu com suas mãos e também com o próprio corpo desnudo. Cheirou-o fundo no pescoço e o beijou na boca de novo, repetidas vezes.
“Surpreender positivamente... Por exemplo: valores de convívio saudável... sinceridade, que dá lugar à confiança mútua... também renúncia à liberdade, pois surpreender positivamente é uma via de mão única, porque apenas positiva, nada que surpreende, e então algo que aprisiona... outra forma de autoengano?... se for, vale a pena se submeter à satisfação de valores, produtos da concepção de ideias para um ideal, ideias tais que partem em sua quase totalidade das necessidades biológicas, sociológicas?... que ser miserável, aquele se resume a isso!... previsível!...” – Gaio percebeu mais uma vez como Maia, acariciando-lhe por inteira, era absurdamente linda e formosa – “Qual a importância que dou a essas ideias?... devo então preferir a ignorância do ser, que desintegra, ao autoengano, que conforta?... optar por um dos lados, ou seja, insistir em uma das ideias, não me aprisionaria automaticamente?...” – Gaio fez uma pausa às suas reflexões tão conflitantes. Depois, riu de si mesmo. – “Como essas ideias de aprisionamento me perseguem os pensamentos!...” – reparou. – “Outra forma de autoengano?... Sim. O autoengano nos é inescapável enquanto sermos. Não há saída, não enquanto sermos... De qualquer forma, não posso deixar a solidão. Sem ela, não consigo digerir a... Existência.”
– O que foi, amor? O que o preocupa? – quis saber Maia, ela igualmente ficando cismada. – Já reparei isso em você: por que tanto observa as nuvens? O que nelas o atrai? Um ideal inalcançável, com a consistência do vácuo?
Estático por um instante, Gaio parecia constrangido como alguém que havia sido flagrado com algo que desejava muito esconder.